A palavra da vez é “formatura”. Depois de quatro anos de convivência, é praticamente impossível não criar laços – seja lá de que tipo, ou com que nós (entenda-se!) – com colegas e professores. Amizade, respeito e compromisso são valores que não foram analisados nas apostilas e nos livros estudados, mas que foram desenvolvidos no tempo compartilhado.
formatura
Abaixo, estão dois textos que externam o sentimento e a lembrança que ficou dos dias de faculdade. O primeiro – Outras Letras – foi o meu discurso como orador da turma de formandos 2009 da faculdade de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Aquidauana, apresentado no dia 06 de fevereiro de 2010. O segundo – Até Mais – foi o texto de despedida da cerimônia de celebração de todos os formandos 2009 do município de Miranda, apresentado no dia 06 de março de 2010.
outras Letras
considerações, lembranças, votos e agradecimentos
No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas. Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia. (Gênesis 1:1-5)
De acordo com a Bíblia, o universo foi criado pela palavra. Deus falou e o mundo foi criado. Ele ordenou e logo tudo apareceu.
Mesmo no âmbito humano, a palavra tem um poder inestimável e, por isso, fascina o homem. É através da linguagem que podemos nos comunicar, trocar experiências, conviver em sociedade, expressar os nossos pensamentos e sentimentos. A palavra é indispensável para o ser humano. Ou melhor: a palavra é o diferencial para ser humano.
Entre outros objetos de estudo, o curso de Letras trabalha com a palavra. Ele tem o objetivo de preparar alunos capazes de lidar com termos relativos a conhecimentos linguísticos e literários, em diferentes contextos de oralidade e escrita. Mas, concluir uma faculdade que estuda a linguagem, em suas várias manifestações, significa mais do que aprender a utilizar as palavras. Formar-se em Letras significa ampliar nossa forma de ver, compreender e interpretar as relações humanas, que se escrevem não só em papel, mas em conversas descontraídas com os vizinhos, em telefonemas aos familiares, em pedidos ao prefeito de sua cidade, em reclamações com a empresa de telefonia do seu estado ou, até mesmo, em justificativas, desculpas e “puxações-de-saco” dirigidas ao seu professor após entregar um trabalho atrasado. (Esse último foi só um exemplo. Não que isso aconteça de fato!) O que quero dizer é que cursar Letras é mais do que aprender Português, Espanhol, Inglês ou Literatura.
Professores: Eis o resultado de mais uma missão. Eis que nossas letras já contextualizadas anunciam o pretexto para um novo texto. Eis a conclusão de mais um capítulo desses mares bravios do ‘reino das letras’. Saibam que graças a vocês conseguimos ir bem mais além do que alcançar a coesão dos nossos parágrafos. Conseguimos encontrar a coerência de nossos caminhos. Professores, nós estamos saindo, outros virão, continuem nessa mágica missão de ensinar Outras Letras, que no mistério do existir, poderão ser traduzidas em amor para as gerações que virão, porque muitos desconhecem o valor das pessoas, pois se fecham em seu próprio mundo ignorando os que se aproximam, usando o silêncio para transmitir sentimentos. Portanto, quando faltarem palavras, usem gestos, pois eles estarão escritos nas páginas do coração.
As Letras que estudamos juntos nos ensinaram muito. Aliás, além das convencionais, contidas em nosso alfabeto, aprendemos Outras Letras. Tais Letras não se escutam, são Letras para sentir. Tais Letras não se pronunciam, são Letras para contemplar. Tais Letras não se leem, são Letras para viver. Tais Letras não se escrevem, são Letras para sonhar. Se eu as quisesse traduzir em Letras costumeiras, elas formariam uma palavra de sete dígitos que se soletra A-M-I-Z-A-D-E: amizade. Os amigos foram o bônus do curso. E, nesse caso, o bônus é tão importante quanto o produto. Adriana, Audemir, Crislaine, Darlene, Eliza, Heraldo, Josevânia, Maria Isabel, Marina, Mayquele, Michelle Mussato, Michelli Tatiane, Raquel, Renata, Tânia, Vinícius, Willie (e tantos outros),
Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso. (Chaplin)
Então, dizer ‘Tchau’... ‘Valeu, passei!’ e ir embora... Passar por passar, acabar por acabar seria como se não estivesse sentindo a emoção do marinheiro de primeira viagem, curioso e medonho aos mistérios do mar OU como se, no coração, não houvesse a emoção tal qual a do velho capitão na sua última viagem, com vontade de continuar nos mares, mas, ao mesmo tempo, sabendo que é preciso lançar âncora no cais, sentir a sensação de caminhar sozinho e seguir viagem em ‘mares diferentes’. Esse é um paradoxo que se pode traduzir em saudade e vitória.
Fechem os olhos agora... Abram o coração... Pensemos nos primeiros dias, nós, chamados de ‘bixos’, estranhas criaturas nesse recinto. Mas, convenhamos: estranho era o Bechara, o Mattoso Câmara e tantos outros gramáticos. Estranho era saber que era preciso desvendar tantos enigmas da nossa língua; que o sujeito oculto é proibido, só vale o elíptico. E, ainda, o mais estranho era eu para você e você para mim. E em meio a tanta elipse, descobri que o sujeito elíptico nas minhas orações era você. Seja no verso da minha poesia ou na oração da minha prosa. Mas, hoje, sujeito ‘estranho’, já não mais existe. O sujeito que surgia nas minhas letras agora aparece como simples e principal na minha análise sintática. E eu o chamo não só de sujeito, mas de amigo.
Enfim, após quatro anos, o tempo nos diz a nossa graduação acabou. Mas isso significa o início de mais uma etapa. Por isso, queridos colegas, eu faço...
uma afirmação – vamos em frente, seguindo nossos planos;
um convite – vamos em busca de novos sonhos;
um apelo – só não se esqueça de cada amigo, de cada sorriso e de cada olhar;
e uma intimação – não pare jamais de sonhar.
Queridos pais, irmãos, cônjuges e filhos, sintam-se vitoriosos como nós, pelas vezes que seus gestos de companheirismo foram bem mais além do que o tão sólido dicionário pudesse traduzir. Aliás, hoje, ironicamente, nós acadêmicos, ‘Neo-letrados’, não conseguimos encontrar nenhum montante de letras que pudesse grafar alguma palavra de gratidão. Por isso, apenas podemos dizer, humildemente: “Muito Obrigado!”.
DEUS! Outras Letras – simplesmente quatro. Ignoradas por uns, desacreditadas por outros, uma força invisível para poucos, mas para mim, o Originador das palavras, do ser, do universo das Letras e das Letras do Universo.
Quando na incerteza do futuro, nossas mãos tremerem, nossos pés fracassarem pela insegurança da caminhada e não soubermos dizer uma palavra de apoio, de gratidão ou perdão; se ignorarmos o próximo ou criticarmos um irmão... Deus, traduza as nossas palavras, para que não sejamos destruidores de sonhos com frases que a borracha é incapaz de apagar, com registros impossíveis de serem deletados. Senhor, faz de nós, crianças, como no inicio da nossa existência, que usando as lágrimas ou um simples monossílabo falávamos tudo, sem dizer nada. E, quando não soubermos o que dizer, ajuda-nos a usar as reticências com os gestos nobres, com uma mão amiga, ou simplesmente um sorriso, pois o dicionário da vida conseguirá traduzir em “Outras Letras”, as letras do coração...
Valeu!
Texto: Willie Macedo de Almeida
Colaboração: Raquel Medina Dias e Neide Lino Macedo Wutzou
até mais!
Iniciarei minha fala, recitando o poema “Bons amigos”, de Machado de Assis.
bons amigos
Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!
Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!
Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!
Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!
Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!
Pense comigo: que bom que existem os amigos. Porque, após os anos de estudo, apenas três elementos perduram: a lembrança, o conhecimento e a amizade. A lembrança é muito abstrata. O conhecimento, por sua vez, por mais útil e importante que possa ser, está contido dentro de nós e, portanto, numa dimensão muito solitária e individualizada do ser. Já a amizade nos completa. Os amigos tornaram nossa jornada mais agradável.
E, ainda no âmbito “trielementar”, quero terminar com palavras que ativem a lembrança, retomem o conhecimento e revelem nossa amizade.
Aos queridos amigos, colegas letrados. Com vocês, algumas palavras adquiriram um novo sentido. Tenho a certeza de que abrir-se-nos-ão muitas portas de oportunidade para nós nos encontrarmos nas escolas da vida num futuro do presente do indicativo com pronome mesoclítico.
Aos queridos amigos formados em Pedagogia. Que as contribuições de Piaget, Paulo Freire, Rubem Alves e tantos outros sejam uma motivação para que vocês eduquem, acima de tudo, com o coração.
Aos queridos amigos formados em História. Vocês estudaram a biografia e a influência de muitas personalidades durante esses anos. Espero que ainda haja um espaço para nos guardar na sua história.
Aos queridos amigos formados em Geografia. Que vocês ultrapassem as latitudes e as longitudes das salas de aula e dos campos de pesquisa e encontrem na cartografia da vida o melhor caminho para ser feliz.
Aos queridos amigos formados nas áreas das Ciências Biológicas. Certamente, deve ter rolado uma “química” durante esses anos de graduação. Então, saibam que, para nós, vocês têm o mesmo valor do elemento metálico sólido que tem o número atômico 79 na tabela periódica... Vocês valem ouro.
Aos queridos amigos formados em Administração. Ironicamente, mesmo com tudo o que vocês aprenderam, ainda não é possível calcular o preço de alguns gestos, como um abraço, um sorriso ou de alguns valores, como a educação, o respeito e a dignidade. Multipliquem a felicidade e elevem à potência de milhões... o resultado ainda será apenas um milésimo do que a vida pode lhes oferecer se mantiverem os nobres princípios em seus negócios.
Enfim, sejam felizes, façam sucesso e... até mais... que isso!